Dizem que um dos motivos para o sucesso de público dos romances policiais, é que o personagem-detetive recompõe os cacos do caos que um crime provoca e, assim, restabelece a ordem.
A britânica P. D. James, célebre escritora de romances policiais, analisa a popularidade do gênero. “O romance policial é especialmente popular em momentos de inquietação, ansiedade e incerteza, quando a sociedade se depara com problemas que nem o dinheiro, nem as teorias políticas, nem as boas intenções parecem capazes de resolver e aliviar”, explica a escritora.

Em seu livro Os Segredos do Romance Policial, P. D. James percorre mais de cem anos da história dos livros de detetives e aponta Edgar Allan Poe (1809 – 1849) como o iniciador do gênero consolidado por Arthur Conan Doyle (1859 – 1930), o criador de um dos personagens mais famosos das letras impressas, Sherlock Holmes.
No livro, P. D. James nos apresenta os personagens principais do que ela indica como a Era Douradas das histórias de detetives. Um dos primeiros a serem apresentados é Padre Brown, o detetive amador criado por G. K. Chesterton, agora com série acompanhada por aficionados na TV Cultura de São Paulo. Padre Brown trabalha sozinho, sem nenhum Watson para quem possa fazer perguntas que indiquem o caminho da solução do crime aos leitores mais distraídos. Anestesiados que estamos por séries violentas e de sangue explícito, repletas de análises detalhadas das evidências, exploradas em séries televisivas de fácil acesso em todo o mundo, padre Brown nos é oferecido em uma roupagem singela, delicada, interiorana.

Doces tempos os de padre Brown, nada parecido com o choque de realidade com que Roger Franchine, advogado, ex-investigador da Polícia Civil de São Paulo e atual promotor público, nos joga em suas páginas de Ponto Quarenta: a polícia para leigos, Matar Alguém e outros. Policiais violentos, corruptos que não encontram saída a não ser como anti-heróis porque o crime vem lá de cima: governador, chefe de polícia, delegado, promotor e o que mais tiver na estrutura. Não sobra ninguém para dar uma nota divertida ou doce em seus livros de realidade ficcional bruta.
O Brasil [e o mundo não?] passou do limite e não inspira a criação de detetives que restabeleçam a “ordem” ao investigarem os acontecimentos. Um personagem-detetive já não dá conta do caos. Estamos na fase de sucesso dos livros de terror, sangue e escatologia enchem a realidade colocada em nossas casas pelos telejornais [e nos últimos tempos pelos twitters do presidente da república que tem como marca registrada indicar uma arminha com os dedos]. Por aqui, Lovecraft e seus discípulos fazem mais sucesso que Conan Doyle. Análises científicas de comportamento de serial killers substituem os diálogos rápidos de Raymond Chandler. Que o diga a editora Dark Side, um “case” de sucesso em tempos de crise no mercado editorial. O terror é a consolidação da impotência, da falta de saída, em que o medo é o sentimento que nos une e, contraditoriamente, nos mantém isolados, porém, conectados, em permanente acesso virtual à vida.

Voltando aos Segredos do Romance Policial, de P. D. James, ela realmente aponta alguns dos segredos, como a importância da ambientação e cenário nas narrativas de romances policiais. Em suas palavras, “Ler qualquer obra de ficção é um ato simbiótico. Nós, leitores, contribuímos com nossa imaginação para a imaginação do escritor ao entrarmos voluntariamente no seu mundo, participando da vida das pessoas que ali habitam e formando, a partir das palavras e imagens do autor, nosso próprio quadro mental de pessoas e lugares. O cenário em qualquer romance, é, portanto, um elemento importante de todo o livro.” A escritora também analisa em detalhes a composição do enredo de um romance policial: “Sinto que os suspeitos devem ser em número suficiente para alimentar o enigma, e com mais de cinco deles fica difícil se cada um for um ser humano crível — vivo e respirando –, com motivos para o crime que o leitor considere convincentes.”